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sábado, dezembro 27, 2003

Boneco Desfeito

Surgiu no palco, um dia um bailarino,
Surgiu soberbamente nu, - jogando
Nas mãos ageis de clown e de menino
Cem máscaras rodando, rodopiando...

Sobre um décor violento e sibilino
Cegamente bailou, tombou bailando,
Como se mais não fora seu destino
Que os eu bailado altivo e miserando.

No palco jaz agora um mutilado:
Jaz morto e nu, decapitado, olhado
Por milhões de olhos sem pudor nem vista.

...Que as máscaras sem fim que ele jogara
Não eram mais, talvez, que a própria cara
Dum desgraçado e humano ilusionista!

JOSÉ RÉGIO
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terça-feira, dezembro 23, 2003

TRISTEZA NO CÉU

No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Por que fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.

Os anjos olham-no com reprovação,
e plumas caem.

Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor
caem, são plumas.

Outra pluma, o céu se desfaz.
Tão manso, nenhum fragor denuncia
o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


domingo, dezembro 21, 2003

ADÁGIO

Repouso a minha fronte
Dorida, no teu peito:
E o meu bem-estar é feito
De não ter horizonte.

Nela sentindo, leve,
A tua mão passando,
Fico entresonhando
O derreter da neve...

Que translúcido vago
Meu suave esquecer

No teu último afago...
- O meu anoitecer.

Nada hoje me peça
O teu querer-me: deixa
Que tão breve adormeça
Como a tarde se fecha.

CARLOS QUEIRÓS
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