<$BlogRSDUrl$>

sexta-feira, dezembro 05, 2003

MAR

Na melancolia dos teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.

Nos frios espaços dos teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.

E ansei em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.

VINICIUS DE MORAES- 1913-1980
LINK ABOVE

quinta-feira, dezembro 04, 2003

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos
Link above

quarta-feira, dezembro 03, 2003

HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre O´Neill -1924-1986

Link above

segunda-feira, dezembro 01, 2003

DESCRIÇÃO COITADA DE REPRODUÇÃO COLORIDA DE PAISAGEM SEM FIGURA

Sol-posto
de mau gosto
mal reproduzido
de postal infeliz.
Pior fora o dia
Dia de não contar
como tantos!
Existir tanto
para viver tão pouco!
Minha mágoa incolor
vadiava em redor
e via com desdém
a terra aqui
e o mar além.
Cai névoa do meu sentir
névoa morna
como o hálito do quarto
do convalescente.
O herói do meu sonho
quer estar só
que o não vejam a descansar.
Está a estudar o papel
Da minha loucura
Prò representar.
Toda a loucura é assim:
negra como a peçonha
e cheia de luz por dentro.

JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS- 1893-1970